Era uma vez um país não tão distante cujo povo era alegre e vivia deslumbrado o seu mais longo período de normalidade democrática. Havia uma nova constituição que garantia direitos sociais até então nunca imaginados por seus cidadãos. O Congresso tinha voltado a funcionar deixando de ser mero apêndice da ditadura militar, o mesmo acontecendo com o Judiciário. Uma lei de anistia visava evitar ressentimentos, após a volta dos militares aos quartéis. Enfim, o país tinha tudo para dar certo.
A felicidade só não era completa porque a maioria da população era pobre, a saúde precária e a educação pouco valorizada. Como essas coisas levam tempo para resolver, só restava ter paciência. No curto prazo havia razão para otimismo: a economia ia bem após o fim da inflação, com baixo desemprego. As reservas cambiais - coisa jamais vista - superavam a dívida externa, pois o país readquirira a confiança dos investidores estrangeiros. Somado a isso, havia o bom desempenho das commodities brasileiras nos mercados externos. Agora era só esperar pelo milagre do crescimento.
Após o país sair ileso da crise financeira global de 2008, o "milagre" aconteceria em 2010, quando a economia cresceu 7,5%. Nessa época, concluía o seu mandato um trabalhador de baixa escolaridade, mas de grande visão política. Era conhecido pelo nome de um molusco e deixou o poder com mais de 80% de avaliação de seu governo como bom/ótimo. Sua eleição e aprovação, por si só, demonstrava que o país avançava derrubando preconceitos. O povo deu um voto de confiança e elegeu a sucessora indicada por ele, uma mulher, militante de esquerda, que nunca tinha participado antes de uma eleição. Novo tabu era derrubado.
De repente, os ventos mudaram. Os indicadores da economia já não eram tão bons. A presidente parecia não entender como funciona um governo de coalisão e começou a colecionar atritos com o Congresso. Da parte dos partidos aliados, crescia o apetite por cargos no governo. Traições se sucediam e ameaçavam a governabilidade, a tal ponto que a presidente, reeleita por pouca margem em 2014, praticamente não conseguia governar. Indiferente a tudo, ela continuava a dar seus passeios de bicicleta, enquanto o vice tramava contra ela. O impeachment e cassação da presidente foi o desfecho previsível.
Com o país sem rumo e o povo exigindo culpados, logo surgiram os "salvadores da Pátria". O desejo de sangue foi saciado com a prisão do ex-presidente, embora, a cada dia, mais frágil se torna o processo de sua condenação. Um capitão reformado do Exército, mas que passou a maior parte da vida como parlamentar, e um juiz de primeira instância, alavancado pela Operação Lava Jato, uniram-se para "salvar" a Nação. E... a maioria dos eleitores acreditou neles. O primeiro, tornou-se presidente; o segundo, seu Ministro da Justiça. Será este o final da história?
Na busca de culpados, pouca importância se deu para a mudança dos ventos da economia. Esta pode ter sido causada pela chamada "armadilha da renda média", uma situação em que os países que aproveitaram os ventos a favor da sua economia passam de níveis de renda per capita baixos para níveis de renda médio. Na medida que se aproxima deste último patamar, os fatores responsáveis pela "etapa fácil" de crescimento começam a se esgotar. Quando o bom senso prevalecer, voltaremos a discutir teses como esta!